quarta-feira, 28 de outubro de 2009

A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PENAL E A MILITÂNCIA NA ADVOCACIA CRIMINAL

A obra “Direito Constitucional Contemporâneo”, que acabo de ler, do Prof. Luís Roberto Barroso, não tenho dúvidas em afirmar, deve ser encarada como imprescindível na formação do profissional do direito na atualidade.

Entre tantas questões interessantíssimas, o autor aborda a questão da constitucionalização do Direito Penal no Brasil e no mundo.

Sob esse enfoque, a Constituição funcionaria como um filtro através do qual devem passar todas as normas penais. Assim, o Texto Maior deixa de ser um simples fundamento de validade da legislação infraconstitucional, para constituir-se em parâmetro de interpretação de todo o ordenamento jurídico, a fim de que sejam assegurados os valores mais caros ao espírito da Constituição.

À luz desse fenômeno, discute-se a possibilidade de se isentar de pena a prática de determinados crimes, em específicas circunstâncias, diante da manifesta desproporção entre a aplicação da pena privativa de liberdade e resultado lesivo da conduta do agente. Tome-se como exemplo, a hipótese da mulher que convive maritalmente com o traficante, e é por este coagida a também “atender”os usuários que batem à sua porta para comprar a substância entorpecente, ou mesmo àqueles casos das “mulas” do tráfico, geralmente pessoas humildes, necessitadas, que são usadas, por grandes traficantes, para transportar drogas de uma localidade para outra.

Nesses casos, embora a culpabilidade seja reduzida, em relação ao verdadeiro traficante, essas pessoas são condenadas à pena mínima de cinco anos de reclusão, o que é um grande paradoxo.

Segundo a visão constitucional do direito penal, o tratamento jurídico a ser dado a determinada infração ou a pena aplicável não deve ir além, nem tampouco ficar aquém, do necessário à proteção dos valores constitucionais que regem a matéria.

Assim, nos exemplos acima citados, haveria a inconstitucionalidade da norma penal por ausência de razoabilidade ou proporcionalidade, especialmente na dimensão da vedação do excesso.

Em que pese essas discussões estarem na ordem do dia, contando inclusive com precedentes do Supremo Tribunal Federal, como no HC 73.662/MG, Rel. Min. Marco Aurélio, no badalado caso da absolvição do jovem acusado de estupro por ter mantido relação sexual com uma menina de doze anos, quem advoga na área criminal sabe o quanto é difícil emplacar essas teses no nosso dia-a-dia.

Infelizmente, salvo valorosas exceções, há quase que um burocratização do processo penal, onde a busca da verdade real e a aplicação da justiça é deixado muitas vezes de lado em detrimento da “produtividade” e do batimento de metas de julgamento dos processos.

A verdade é que se o advogado levantar a tese de inconstitucionalidade material da norma penal ao caso concreto, as chances de ver os seus argumentos completamente ignorados na sentença são quase absolutas.

Evidentemente que o verdadeiro advogado criminalista não desanima com essas dificuldades. O nosso papel é persistir, é lutar para que novos horizontes despontem no tratamento da matéria.

O que nos angustia, quem é militante sabe disso, é que não é incomum que o advogado suscite teses que fogem um pouco do trivial em um determinado caso, mas o próprio defendente e/ou sua família, não permite que o causídico leve essas questões ao tribunais superiores.

Explico.

Na advocacia cível, por exemplo, geralmente o cliente procura um advogado em que confia e esse advogado consegue desenvolver um trabalho com começo, meio e fim, chegando até o STJ e o STF.

Já na advocacia criminal, a dificuldade é um pouco maior.

Ressalvados a clientela dos crimes contra a ordem tributária ou quando o acusado tem um grau de instrução maior, a mudança de advogados no mesmo processo é muito grande, especialmente se réu estiver preso.

Várias vezes já fui procurado para assumir determinados casos e, ao analisar o processo, verifiquei que em curto espaço de tempo vários advogados foram contratados e dispensados pela família, ou seja, o advogado não teve como desenvolver o seu trabalho.

Nessas situações, o melhor é não assumir a causa.

Levanto essas questões neste espaço, pois sei que as pessoas que acessam o nosso blogue têm perfis bastante diversificados, são profissionais que atuam em outras áreas e têm curiosidade sobre as questões da advocacia criminal, colegas que militam na advocacia criminal e compartilham das mesmas lutas e angústias, estudantes de direito, ávidos por informações da prática da advocacia, e que no futuro estarão ocupando o seu espaço no mundo jurídico.

A nossa pretensão é incentivar o debate sobre esses temas para, quem sabe, contribuirmos com o avanço das instituições jurídicas, ou mesmo oferecer uma luz a quem eventualmente esteja envolvido, de alguma forma, com uma ação penal, e não compreende ao certo o trabalho que está sendo realizado pelo seu advogado.

2 comentários:

  1. Caro Colega,

    A obra do Professor Luis Roberto Barroso efetivamente aborda de maneira ímpar a questão da constitucionalização do Direito.
    Outro estudiso a abordar o assunto de maneira inteligente e profunda é o professor Paulo Ricardo Schier, em sua obra "filtragem constitucional - construindo uma nova dogmática", que tem por escopo evidenciar a superação da dicotomia absoluta entre o direito público e direito privado, apresentando a Constituição da República como norma suprema que necessariamente serve como filtro de todas as demais normas jurídicas, incluindo normas de direito público ou até mesmo regramentos privados, o que incluiria os contratos.
    Por fim, parabenizo pela iniciativa de organização de espaço virtual para o debate acadêmico e prático, que sem dúvida permitirá o acesso amplo de apaixonados pelo direito, principalmente pelas ciências criminais.

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