quinta-feira, 8 de outubro de 2009


A CORRETA APLICAÇÃO DA LEI SECA

O anúncio, na imprensa local, da retomada do endurecimento da fiscalização da chamada “lei seca” (Lei n° 11.705/2008), chama atenção para a sua correta aplicação.

Assim que a lei seca entrou em vigor, os telejornais apresentaram diversas matérias mostrando uma fiscalização intensa e performática, alardeando-se excelentes índices de diminuição de vítimas fatais decorrentes de acidentes de trânsito. Pouco tempo depois, essa fiscalização foi diminuindo, e o número de mortes decorrentes do trânsito voltou a crescer.

No Brasil, quando se trata de política criminal, a tendência natural das pessoas, influenciadas por programas policiais sensacionalistas, é protestar pelo aumento das penas.

No caso específico da chamada Lei Seca, formou-se um estardalhaço sobre uma alteração do Código de Trânsito Brasileiro que pouco mudou, em essência, o que já dispunha a legislação anterior.

As penas para o crime de embriaguez ao volante permanecem as mesmas, ou seja, ao contrário do que muitos foram induzidos a pensar, a possibilidade de ser preso em flagrante pela prática dessa infração penal não surgiu com a Lei Seca, mas existe desde a entrada em vigor do CTB, no ano de 1997.

Embora sempre se espere que da modificação da legislação resulte o seu aprimoramento, relativamente aos dispositivos que tratam das infrações administrativa e penal relacionadas à direção de veículo automotor após a ingestão de bebidas alcoólicas e similares (CTB, arts. 165 e 306), o novo regramento mostra-se demasiadamente “aberto”, dando margem à discussões, em meio à doutrina e jurisprudência pátrias, sobre a correta interpretação dos seus dispositivos.

O art. 165 do CTB, que trata da infração meramente administrativa, com a nova redação dada pela Lei n° 11.705/2008, apresenta a seguinte redação:

“Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência (...).” (sem grifo no original)

Diante da expressão sob influência, indaga-se: será que a infração administrativa caracteriza-se com a simples direção de veículo após o condutor ingerir álcool ou substância similar, ou seja, o simples fato de beber dois ou três copos de cerveja e dirigir, significa infringir a lei?

Penso que não.

Com efeito, vários estudiosos têm se debruçado sobre o tema, chegando à conclusão de que a expressão “sob influência” significa, sofrendo seus efeitos, dirigindo de forma anormal, realizando manobras proibidas, desrespeitando os semáforos e a sinalização de trânsito, etc.

Nesse sentido, o Prof. Damásio de Jesus esclarece que:

“(...) surpreendido o motorista dirigindo veículo, após ingerir bebida alcoólica, de forma normal, `independentemente do teor inebriante`, não há infração administrativa, não se podendo falar em multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir. Exige-se o nexo de causalidade entre a condução anormal e a ingestão de álcool.” (http://blog.damasio.com.br/?p=487)

Seguindo essa linha de raciocínio, se um motorista, dirigindo corretamente na via pública, é flagrado no exame do bafômetro com teor alcoólico inferior a 6 decigramas, não poderá ser autuado administrativamente.

Relativamente ao crime de embriaguez ao volante, o raciocínio é parecido. Confira-se a nova redação do dispositivo:

“Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência (...)” (grifei)

Procedendo-se a uma interpretação meramente literal e isolada do comando legal acima transcrito, poder-se-ia chegar à equivocada conclusão de que a expressão “sob influência”, não se refere à ingestão de substância alcoólica, mas tão somente a “qualquer outra substância psicoativa que determine dependência”.

Tal entendimento, contudo, não resiste à aplicação do princípio da razoabilidade, posto que, se a infração administrativa, que é o menos, exige o “estar sob a influência”, conforme já demonstrado, a infração penal, que é o mais, não pode prescindir dessa elementar.

De mais-a-mais, seria um rematado contra-senso considerar tipificado o crime de embriaguez ao volante pela só presença de determinada quantidade de álcool no sangue e, no caso de outra substância psicoativa, exigir a influência.

Finalmente, existem outros dispositivos trazidos pela lei nova que denotam, sob a ótica de uma interpretação sistemática, o ponto de vista aqui defendido.

O art. 7° da lei nova estabelece:

“A Lei n° 9.294, de 15 de julho de 1996, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 4°-A:
`Art. 4°-A Na parte interna dos locais em que se vende bebida alcoólica, deverá ser afixado advertência escrita de forma legível e ostensiva de que é crime dirigir sob a influência de álcool, punível com detenção`.” (grifo nosso)

Em síntese, as duas infrações exigem que o condutor esteja conduzindo veículo automotor sob a influência de álcool ou similar, diferenciando-se pelo o limite do teor alcoólico encontrado em seu sangue.

Assim, conclui-se que a redução inicial dos índices de vítimas fatais decorrentes de acidentes automobilísticos não se deveu ao advento da lei nova, mas à fiscalização e à punição rigorosas, de modo a corroborar o que já era apregoado por Cesare de Beccaria em meados do século XVIII, em sua célebre obra Dos Delitos e das Penas, para quem o objetivo de prevenção geral da pena, ou seja, o desestimulo à generalidade das pessoas à pratica de crimes, não precisa ser obtido através do terror (aumento da pena), mas com a eficácia e certeza da punição. (escrito por Jonilton Lemos)

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