quinta-feira, 19 de novembro de 2009

QUESTÃO DE ORDEM.

Estou imensamente sensibilizado com o número cada vez mais crescente de acessos em nosso blogue, a despeito da demora na sua atualização.

Devo justificar-me dizendo que estou passando por um período muito atribulado no campo profissional, motivo pelo qual não tenho encontrado tempo para atualizar o blogue da maneira que gostaria.

Mas dando continuidade ao propósito deste espaço de discussões, gostaria de compartilhar com os leitores uma questão interessante que me deparei num júri que estava marcado para o dia 20/11 passado, mas que infelizmente não se realizou por insuficiência do número de jurados à sessão.

Consta do processo que o acusado foi denunciado pela suposta prática de homicídio qualificado pelo elemento "surpresa" (art. 121, parágrafo segundo, inciso IV, do CP). Em sua autodefesa produzida em seu interrogatório, o réu afirma que engalfinhou-se com a vítima antes de desferir a facada que ceifou a vida desta, rechaçando, a seu modo, a qualificadora da "surpresa", bem como a própria ilicitude da conduta, já que alega que agiu em legítima defesa. A defesa técnica, produzida pelo seu então advogado seguiu essa mesma linha.

Na sentença de pronúncia, curiosamente, a magistrada sentenciante não teceu uma linha sequer sobre a qualificadora, nem ao menos citou o dispositivo legal em que está prevista, restringindo-se a dizer que julgava procedente a denúncia (sem especificar se estava julgando totalmente ou parcialmente procedente).

Não houve recurso de nenhuma das partes. Mais à frente, consta o libelo-crime-acusatório, em que a qualificadora está inserida.

Analisando esse panorama processual, entendi que, na realidade, o réu fora pronunciado por homicídio simples e não qualificado.

Partindo-se da premissa de que o acolhimento da qualificadora seria de interesse da acusação, e não da defesa, somando-se à obrigatoriedade da fundamentação das decisões judiciais prevista na Constituição Federal, caberia ao MP provocar a magistrada via embargos declaratórios sobre a qualificadora constante da denúncia, assim não o fazendo, a questão precluiu, subsistindo a pronúncia tão-somente em relação ao homicídio simples.

Por outro lado, as recentes reformas do Código de Processo Penal aboliram a figura do libelo-crime-acusatório, devendo os quesitos serem formulados com base na sentença de pronúncia. Se esta não menciona a qualificadora, como admitir a sua quesitação?

Em resumo, fui preparado para suscitar essa questão de ordem tão logo fosse anunciado o processo e apregoadas as partes, mas infelizmente não houve jurados suficientes para a realização do júri.

Na sua opnião, a questão de ordem deveria ser acolhida?

Agradeço a sua participação.

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O ASSASSINATO DE EUCLIDES DA CUNHA – UM CASO CRIMINAL CÉLEBRE


A Revista Veja desta semana traz uma matéria sobre um dos mais pitorescos casos criminais que se tem notícia no Brasil – o assassinato de Euclides da Cunha.

O crime teve conotação passional. O autor de “Os Sertões”descobriu que o cadete do exército Dilermano de Assis, de 21 anos, era amante de sua mulher Ana Emília da Cunha.

Em 15 de agosto de 1909, no bairro carioca da Piedade, Euclides entrou de arma em punho no quarto de Dilermano. Mesmo ferido, este conseguiu atingir e matar Euclides da Cunha.

Dilermano foi absolvido com a tese de ter agido sob o manto da legítima defesa própria.

Mas e se o desfecho tivesse sido outro? Se Euclides da Cunha tivesse conseguido o seu intento de matar o amante da sua mulher, teria ele conseguido ser absolvido com a tese de legítima defesa da honra?

A tese da legítima defesa da honra, mas acentuadamente nas duas últimas décadas, vem suscitando valorosas discussões sobre a sua legitimidade.

Na época em que ocorreu o assassinato de Euclides da Cunha, a tese era pacificamente aceita, e se o desfecho do crime fosse o inverso, a absolvição de Euclides seria quase certa.

Mas na quadra atual, respeitáveis nomes da doutrina e alguns tribunais do país vêm encampando a ilegitimidade da tese da legítima defesa da honra, sob o argumento principal de que, se a mulher trai o marido, a honra manchada seria a daquela e não a deste.

Na prática, antes do advento da reforma processual que alterou o procedimento do Júri, especialmente no que se refere à simplificação do modo de elaborar os quesitos, os advogados, muitas vezes, deparavam-se com juízes que se recusavam a quesitar a tese de legítima defesa da honra, por entendê-la incabível, gerando acalorados embates entre os operadores do direito envolvidos.

Com a nova sistemática de formulação dos quesitos, a tese volta a ganhar fôlego, pois a pergunta referente às teses levantadas pela acusação e defesa num caso dessa natureza, restringe-se à indagação “o jurado absolve o acusado?” Então não há mais essa possibilidade do juiz recusar-se a quesitar a legítima defesa da honra.

Sobre esse debate, sempre entendi que o melhor é submeter todas as teses à soberania do Júri Popular, para que este aplique o sentimento da sociedade ao caso concreto.

Nunca é demasiado lembrar que, se de um lado o advogado tem a faculdade de suscitar a tese de legítima defesa da honra em plenário, de outro, o promotor de justiça está ali para combater a tese, se esse for o seu entendimento.

Em casos dessa natureza, a Magistratura do Povo sempre soube julgar com aquele “golpe de vista genial”, de que tanto nos falava o mestre Evandro Lins e Silva.